Ao cair a noite, a cerimônia começou, com bastante simplicidade.
Dezenas de adultos e crianças, todos vestidos
de branco, postaram-se em fila.
Um sacerdote entregou a cada participante uma
xícara de ayahuasca, uma beberagem enteógena de aspecto turvo.
Os fiéis engoliram o chá, e alguns vomitaram.
Hinos foram cantados. Uma nova rodada de ayahuasca foi consumida. À meia-noite,
os membros da congregação pareciam estranhamente energizados. E a dança
começou.
Estes rituais são comuns em toda a Amazônia,
onde a ayahuasca, também chamada de Daime ou simplesmente "chá", é
consumida há séculos, dando origem a religiões inteiras que se aglutinam em
torno da substância.
Porém, a cerimônia daquela noite era diferente:
havia presidiários entre os participantes.
"Finalmente estou percebendo que estava no
caminho errado", disse Celmiro de Almeida, 36, que cumpre pena por
homicídio numa penitenciária a quatro horas de viagem por uma estrada que
serpenteia através da selva. "Cada experiência me ajuda a me comunicar com
a minha vítima para pedir perdão", disse Almeida, que já tomou ayahuasca
em quase 20 ocasiões nesse templo.
O fornecimento de ayahuasca aos presos de
Rondônia reflete uma busca contínua por maneiras que aliviem a pressão sobre o
sistema penitenciário do Brasil.
A população carcerária do país dobrou desde o
início do século, superando os 550 mil indivíduos, o que sobrecarrega um
sistema onde violações dos direitos humanos e rebeliões violentas são comuns.
Um dos mais sangrentos motins carcerários das
últimas décadas teve lugar justamente neste Estado, no presídio Urso Branco, em
Porto Velho, em 2002, quando pelo menos 27 detentos foram mortos.
Na mesma época, a ONG Acuda começou a oferecer
aos presos sessões terapêuticas de ioga, meditação e reiki, um ritual de cura.
Há dois anos, os terapeutas voluntários da Acuda tiveram uma ideia: por que não
fornecer também ayahuasca aos presos?
A Acuda teve problemas para encontrar um lugar
onde os presos pudessem consumir o chá, até eles serem finalmente aceitos por
uma ramificação local do Santo Daime, religião brasileira que mistura
catolicismo, tradições africanas e transes para a comunicação com espíritos.
"Muita gente no Brasil acha que os presos
devem sofrer, que eles precisam suportar a fome e a depravação", disse a
psicóloga Euza Beloti, 40, da Acuda. "Esse pensamento reforça um sistema
em que os presos retornam à sociedade mais violentos do que quando entraram na
prisão."
Na Acuda, disse ela, "nós simplesmente
vemos os presos como seres humanos com capacidade de mudar".
Os juízes e as autoridades carcerárias permitem
que cerca de dez presos vivam na sede da Acuda. Dezenas de outros frequentam
sessões de terapia.
Eles praticam meditação. Fazem massagem aiurvédica
uns nos outros. Aprendem ofícios como manutenção de motos. E cultivam
hortaliças e as plantas usadas na preparação da ayahuasca.
"É certamente novidade entre os presos,
mas a ayahuasca tem um grande potencial, porque, em condições ideais, pode produzir
uma experiência transformadora para a pessoa", disse o professor de
psiquiatria Charles Grob, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Mas
ele advertiu que a bebida pode exacerbar distúrbios em pessoas tratadas com
medicamentos antipsicóticos.
Os responsáveis pela Acuda, que receberam
autorização judicial para levar cerca de 15 presos por mês à cerimônia no
templo, se dizem cientes dos riscos. Terapeutas da ONG consomem a bebida com os
presos.
Mas muitos brasileiros criticam a ideia.
"Cadê as massagens e terapia para nós?", questionou o gerente de
fábrica Paulo Freitas, 48.
Em 2013, sua filha Naiara, 18, foi sequestrada,
estuprada e morta em Porto Velho.
Ele disse que ficou chocado ao saber que um dos
condenados pelo crime deverá em breve ser entregue aos cuidados da Acuda.
"Isso é absolutamente revoltante",
afirmou. "Os sonhos da minha filha foram extintos por esse homem. Mas ele
poderá ir para a selva para tomar o chá."
Outros questionam se o consumo do chá do Daime
ajudará a reduzir as taxas de reincidência.
O economista Luiz Marques, 57, fundador da
Acuda, disse que a organização espera que isso ocorra, mas que o objetivo mais
imediato é a "expansão da consciência" dos presos sobre o que é certo
e errado.
Aqui em Ji-Paraná, os presos pareciam vivenciar
reações diversas após consumir ayahuasca.
Alguns mantinham um semblante pétreo. Outros
pareciam perdidos em contemplações. Um deles chorava sem parar.
"Somos considerados o lixo do Brasil, mas
este lugar nos aceita", disse Darci Altair Santos da Silva, 43, pedreiro
que cumpre pena de 13 anos por abusar sexualmente de uma criança. "Eu sei
que fiz uma coisa muito cruel. O chá me ajudou a refletir sobre isso, sobre a
possibilidade de algum dia eu poder encontrar a redenção."
Fonte:http://www.rondoniadinamica.com/arquivo/presos-de-rondonia-encontram-redencao-na-ayahuasca-e-ganham-destaque-no-ny-times,90339.shtml
O chá de hayahuasca é um enteógeno... não é alucinógeno como descreve o começo do texto.
ResponderExcluirSegundo as pesquisas feitas a partir de 2011 que são financiadas pelo CONAD
ResponderExcluirNão tenho a experiencia mas parece uma grande ideia. Na India estão levando com sucesso meditação para as prisões...
ResponderExcluirA mente é um ótimo escravo mas um péssimo mestre. A reconexão nada mais é que corrigir, dirigindo para um outro horizonte. Como cobrar de alguém uma direção, que se quer sabe que existe uma estrada?
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